A captação de recursos para negócios culturais

Historicamente, o fomento à Cultura no Brasil sempre esteve conectado com as chamadas leis de incentivo que oferecem às empresas descontos no pagamento de impostos em troca de investimentos. A Lei Rouanet, a Lei do Audiovisual, o ProAC, em São Paulo, a FazCultura, na Bahia, e as Leis de Incentivo à Cultura nos estados do Rio Grande do Sul, Distrito Federal e Rio de Janeiro são as mais conhecidas.  

A rigor, todas elas funcionam da mesma maneira: a empresa pode investir até 4% do que paga em Imposto de Renda (IR) e, em troca, abater até 100% do valor na declaração de IR seguinte. A Lei do Audiovisual oferece também a possibilidade do patrocinador ter participação nos lucros e até vender produtos ou serviços. 

Há pelo menos dois problemas neste formato. Do lado do setor, temos uma constante dependência das leis de incentivo. Já na perspectiva empresarial, a dificuldade está no fato do segmento encarar a Cultura como produto (uma peça de teatro, um show, um filme) e não como um investimento na formação de uma sociedade ou como um agente de transformação. 

A Agenda 2030 e as discussões em torno do ESG, contudo, oferecem a possibilidade de mudança de cenário. Do ponto de vista do capital, os investidores financeiros, de longe os maiores incentivadores para que as empresas desenvolvam ações alinhadas ao ESG, enfrentam algumas dificuldades para encontrarem iniciativas que atendam às questões da sigla. Neste contexto, alguns pontos chamam atenção: 

  1. Falta de comprometimento: muitas empresas optam por focar em apenas uma letra da sigla (geralmente nas questões ambientais), e não nas três em conjunto, como é correto. Um comportamento errôneo que gera desconfiança por parte do setor de investimentos, diante de distorções categorizadas como greenwashing ou pinkwashing;
  2. Falta de transparência (governança): os investidores precisam entender a fundo os impactos das iniciativas: o número de pessoas impactadas, como elas foram alcançadas e quantas ações foram geradas, por exemplo;
  3. Falta de indicadores: é preciso avaliar os impactos das iniciativas, entender quais indicadores foram usados e como a aferição foi realizada precisamente.

Em linhas gerais, o que mais importa na avaliação dos investimentos em ESG são o processo e a mensuração dos resultados a curto, médio e longo prazos. E é aqui que a Cultura pode se destacar. Isso porque ela não apenas fala diretamente com todas as letras da sigla, como também atende a todos os 17 ODS da agenda de transformação da ONU. 

Falta apenas ser interpretada dessa maneira pelo segmento empresarial, pelos investidores e, principalmente, pelos profissionais do próprio setor. O objetivo da Tatu Cult é justamente contribuir com essa mudança de perspectiva e mostrar que a Cultura pode e deve se colocar como protagonista desta importante discussão e ajudar a promover o diálogo com a iniciativa privada.

Estas são algumas ações que os agentes culturais podem adotar para iniciar essa conversa: 

  1. Relacionar os projetos/iniciativas culturais aos ODS da Agenda 2030 (mais de um, sempre que possível): isso é importante para que o setor justifique para a iniciativa privada a importância do investimento do ponto de vista do ESG.
  2. Atuar em rede: o setor precisa se organizar coletivamente, trocar boas práticas e discutir menos questões relacionadas a produtos e promover mais debates de cunho estrutural.
  3. Se organizar como empresa: iniciativas culturais e sociais, de uma maneira geral, não mantém estrutura jurídica ou mesmo indicadores e mensuração (pontos essenciais para investidores) por entenderem que estas questões não estão relacionadas ao seu perfil enquanto organização. No entanto, lidam no dia a dia com temas como definição de metas e de público, demandas básicas presentes em qualquer processo de busca por recursos e que têm total relação com as demandas apresentadas pelos investidores. O que falta é adequar essa experiência adquirida com os processos de captação de recursos para o contexto do ESG. 
  4. Coletar dados: todo projeto ou iniciativa deve apurar dados (qual o público beneficiado, quantas pessoas impactadas, qual o perfil delas, por exemplo). Dessa forma, começa a criar instrumentos próprios que ajudam a promover um diálogo efetivo com as iniciativas pública e privada.
  5. Criar relatórios: para organizar as informações de seus projetos (objetivos, metas e resultados) e gerar confiança de compliance aos investidores.
  6. Construa indicadores: eles são importantes para que o projeto/ação possa aferir os resultados da iniciativa. A Unesco lançou um material em 2014 que contribui nesse sentido. Os Indicadores de Cultura da UNESCO para o Desenvolvimento (IUCD) são um instrumento de avaliação das políticas de promoção cultural e permite avaliar, através de dados, o papel multidimensional da cultura nos processos de desenvolvimento. O documento conta com 22 indicadores que compreendem sete dimensões-chave e permitem demonstrar de que maneira a cultura e o desenvolvimento estão relacionados, se influenciam e enriquecem mutuamente.

Com estas práticas, todos os envolvidos saem ganhando. O mercado se beneficia porque atende às demandas dos seus investidores e chama a atenção do seu público. Já o setor cultural tem a oportunidade de não depender das leis de incentivo para existir, se desenvolvendo, fortalecendo e criando autonomia para dialogar com o setor privado de maneira eficaz. 

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